Quanto tempo passou desde agora?

1. Escola

Todos os inícios são inocentes. Em 2014, o ano lectivo dos alunos do 1º e 3º ano de Design de Comunicação da FBAUL começou com um confronto de expectativas, que eram, no entanto, igualmente movidas por uma crença quase cega no futuro. Um aluno que inicia o curso em conversa com outro que inicia o seu fim. Iniciantes e finalistas, separados apenas por dois anos de diferença e com mais ou menos o mesmo número de incertezas. Já em 2013, os alunos do primeiro ano eram recebidos com uma exposição organizada pelos seus colegas de segundo ano, uma mostra intitulada precisamente “Da Dúvida à Incerteza”. Uma coisa apenas é certa, nesta conversa ninguém se arrisca a fazer grandes afirmações ou a proferir ensinamentos, o tempo e as circunstâncias não o permitem e talvez até seja melhor assim.

Intitulado Back To Skool [1]: o que aprendi, o que relacionei com o que aprendi e como vou transmitir tudo isto em 30m, o exercício que começou na forma de uma conversa (por sua vez motivada por um postal elaborado pelo aluno de 3º ano), prolongou-se no tempo com trocas de emails e com uma tentativa de síntese visual do que foi todo o processo. Houve algo de particularmente interessante neste diálogo entre duas pessoas igualmente incertas quanto ao seu (per)curso. Como se quebra o silêncio quando quem deve perguntar não sabe bem como o fazer e quem deve responder sabe ainda menos? Deste impasse nascem novas ideias que possibilitam entendimentos plurais do que é uma licenciatura e sobretudo fomentam uma cultura de diálogo com o outro.

Em 2012, precisamente quando esta turma iniciava o seu percurso, numa conversa com antigos alunos a propósito da exposição desse ano, discutiu-se brevemente qual seria o perfil de um aluno da FBAUL. Na altura, alguém disse que esse perfil não existia, pelo menos por enquanto, e que talvez isso fosse, afinal, positivo. Olhando para o panorama geral do exercício Back To Skool, podemos entender que esta ideia sai reforçada. No momento de escolher o que dizer ao colega iniciante, as direcções tomadas foram radicalmente diferentes. Uns decidiram falar dos projectos, outros das angústias do curso, outros ainda falaram da cidade, e por aí fora. Do outro lado, acontecia a mesma coisa. Os colegas chegavam ao curso por razões diferentes e com expectativas muito diversas. As experiências foram todas pessoais e subjectivas, verdadeiramente irrepetíveis.

Tendo tudo isto em conta, percebemos que a escola não se sobrepõe ao indivíduo. Dá-lhe as ferramentas para a sua formação, indica caminhos e apresenta possibilidades, mas não o formata. Por isso é que tanta gente que sai desta escola acaba por seguir carreiras profissionais fora da sua área de formação. Esta hipótese deve ser explorada quer pelos docentes, quer pelos alunos, que mesmo dentro da área do design de comunicação podem encontrar vias alternativas à prática convencional da disciplina. O mesmo é dizer que a faculdade pode ambicionar não formar apenas a nova geração de designers, mas também uma nova geração de curadores, críticos ou jornalistas que terão um importante papel na renovação do panorama do design.

Todas estas noções, como vimos, nascem da partilha de experiências e do diálogo interno e externo, e é precisamente este diálogo que tem de ser incentivado como um valor essencial numa faculdade como as Belas-Artes. Não faz sentido que um espaço seja partilhado por designers, artistas, investigadores e profissionais de outras áreas que não comunicam entre si, pelo menos não tanto como era possível e, no fundo, desejável. A cultura de “corredores” desta escola, em que cada disciplina se fecha numa área específica do edifício, tem contribuído para que haja esta tal falta de comunicação. Isto traduz-se em problemas muito simples e palpáveis: pouca gente sabe o que os seus colegas de outras áreas (e por vezes da mesma) realmente fazem ou estudam, criam-se preconceitos e ideias deturpadas da actividade de cada um, não se partilham conhecimentos e toda a gente acaba por se colocar um bocadinho em cima do pedestal da sua área de estudos.

Este problema pode também ser estendido ao ensino do design em Portugal, onde se verifica uma quase total ausência de diálogo entre escolas. Mais uma vez, os efeitos são os mesmos, mas numa escala alargada. O pedestal já não é a disciplina mas antes a cidade. Interessa-nos realmente estar a formar designers do Porto ou de Lisboa? E falta ainda falar do distanciamento dos museus, galerias, institutos, etc., em relação às faculdades, impossibilitando que os estudantes se sintam realmente integrados numa comunidade de designers e que seja encurtado o fosso entre o meio académico e a realidade profissional.

A falta de comunicação institucional, e sobretudo a grande dificuldade em perceber quais são as preocupações dos designers, tem-se vindo a reflectir na forma como os grandes acontecimentos do design em Portugal passam constantemente ao lado das pessoas. Esta turma de Design de Comunicação acaba de se licenciar em pleno Ano do Design Português, no entanto arrisco-me a dizer que para a esmagadora maioria dos alunos, tal facto é completamente irrelevante. Isso diz muito da forma como as instituições do design português, por vezes de forma pouco transparente, vão trabalhando. Esta fractura não acontece porque as iniciativas estão, por natureza, erradas, mas antes porque não alcançam partes significativas da comunidade de designers, sobretudo os estudantes. Muitas vezes o que fica depois do entusiasmo inicial é o sentimento de oportunidade perdida e o Ano do Design Português é disso um excelente exemplo.

Felizmente, todos estes problemas são fáceis de resolver e dependem apenas da vontade de envolvimento. Podemos voltar a reduzir a escala para apontar um exemplo que julgo ser relevante. Dentro da FBAUL, o projecto da Associação de Estudantes que tomou posse em 2014 conseguiu combater um ambiente de apatia generalizada através da agitação cultural e da introdução de uma cultura democrática a que os alunos não estavam habituados. Além dos debates, ciclos de conversas ou plataformas de participação on e offline, também as festas organizadas desempenharam um importante papel em reaproximar os alunos entre si. Nessas longas e divertidas noites no pátio de Escultura acontecia o convívio inevitável que no contexto de trabalho era muitas vezes uma miragem. Com o tempo, também o projecto da A.E. veio a estagnar e precisa hoje, ele próprio, de um abanão (que deve ser dado pelos alunos, mais ninguém tem essa responsabilidade), mas ficou demonstrada da melhor forma uma brilhante lição de como com muito pouco se pode mudar tanto o ambiente do ensino.

Talvez a melhor maneira de renovar o espaço do design em Portugal seja através de um compromisso mais sério entre as iniciativas de maior e menor escala, conjugando de alguma forma o melhor de dois mundos: experiência e recursos de um lado, ideias novas e participação crítica do outro. E tal como no exercício Back To Skool, privilegiar o contacto entre diferentes gerações, permitindo que se renovem ideias e se cruzem experiências. É preciso haver mais gente a escrever, a debater e a publicar, e acima de tudo dentro das faculdades devem ser encontradas formas mais eficazes de fazer chegar cá fora não apenas os trabalhos do alunos, mas também as suas opiniões, críticas e preocupações.

É por isso que um projecto como o Agora, irrepetível., que culmina em duas exposições e nesta publicação, mas que contempla uma grande variedade de manifestações, tem a responsabilidade de dar uso a uma plataforma privilegiada de contacto com o público. É importante mostrar os projectos desenvolvidos ao longo do último ano da licenciatura, no entanto existe também a necessidade de representar uma turma não apenas como um grupo de alunos, mas como um grupo de pessoas com contributos válidos para os temas que são abordados nos projectos. Em 2014, sob o título Ponto Final Parágrafo [2], a exposição e publicação de finalistas abriu um importante precedente para este tipo de projectos, precisamente com a vontade de criar discussão e opinião para lá de uma simples mostra final. Falava-se então de um “elogio crítico à universidade”, um momento único em que os alunos puderam fazer ouvir a sua voz e assim potencializar o final da licenciatura como um espaço de reflexão.

Com um tema diferente, mas com a mesma vontade de testar sempre os limites daquilo que é entendido como uma mostra de finalistas, o objectivo este ano é precisamente o de conciliar a produção dos jovens designers com as suas reflexões. Tal como na conversa com os alunos do 1º ano, todo o trabalho é desenvolvido num sentido de exploração, descoberta e diálogo. As incertezas continuam todas cá, e o objectivo principal é mais expô-las e discuti-las do que propriamente resolvê-las. Não significa com isto que se adopte um discurso por vezes pretensioso que desvaloriza por completo a procura de soluções, mas que percebemos que na nossa posição o mais importante é levantar questões, aprofundar os problemas e lidar naturalmente com o erro. Só assim se abre caminho para as respostas, mesmo que não sejamos nós a encontrá-las.


Notas

[1] Back to Skool é um videogame de 1985 criado para ZX Spectrum. O objectivo era conduzir Eric, um aluno, a fazer o maior número de asneiras num ambiente escolar para obter o código do cofre do director e forjar um relatório antes que este seja enviado aos seus pais.
[2] AAVV. (2014). Ponto Final Parágrafo. Elogio crítico à Universidade pelos alunos finalistas de Design de Comunicação. Lisboa. Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

2. Meio

A poeta Matilde Campilho disse recentemente numa entrevista que “a poesia não salva o mundo. Mas salva o minuto.” [3] Eu escolho acreditar neste mantra, que para além da sua razão sublime e simples, me convence que todos podem encontrar na sua actividade, seja ela qual for, um sentido para lá da repetição absurda que Sísifo levou a cabo na montanha. [4] Talvez tenha sido este sentido que encontrei no dia 2 de Março de 2013, quando aconteceu uma das maiores manifestações a que Portugal já assistiu. [5] No país todo, mais de um milhão de pessoas saíram à rua para contestar o governo de Pedro Passos Coelho, recuperando um dos símbolos máximos da Revolução de Abril, a “Grândola, Vila Morena” de Zeca Afonso, que foi entoada em uníssono como um grito partilhado de indignação. Na manifestação de Lisboa, vários alunos e professores das Belas-Artes juntaram-se para criar um atelier popular reminescente daqueles que em 1968, em França, produziram não apenas cartazes mas também estratégias de protesto que marcaram profundamente o Maio revolucionário que se tornou num ponto de viragem da história do século XX.

Na praça Marquês de Pombal, como nas ruas de Paris, o design e os designers (mas não só) encontraram um propósito vivo e concreto, e também um desafio: o de dar voz (e imagem) ao desespero e revolta das pessoas. Nenhum curso nos prepara realmente para isto. Tal não é sequer necessário. Esta acção deriva da entrega fraterna a uma causa. Da prática do design servimo-nos apenas de um pragmatismo formal e tudo o resto é devoção à ideia de participação em democracia, onde cada um contribui da melhor forma que pode e sabe. Na verdade, não interessava naquele momento sermos designers. As pessoas paravam e, curiosas, indagavam sobre o que aquele grupo de pessoas fazia ali com pedaços de cartão e boiões de tinta desenrascados. Seguiam-se pedidos para que se escrevessem palavras de ordem ou histórias de emigração, pobreza, desemprego… Nenhum de nós teve de explicar o que faz um designer, ou porque é que um designer estava ali naquele dia. A linguagem era comum, aliás, comunitária, unida por um objectivo singular e um sentido de entreajuda que tantas vezes falta na nossa sociedade.

A participação dos designers nesta manifestação foi claramente política, mas não podemos cair no erro de entender tal facto como uma excepção, um caso raro fruto das circunstâncias. O design será sempre político, e mais política ainda é a negação deste axioma. É especialmente importante perceber isto num contexto em que a política (até a própria palavra) assusta tanta gente. Seria de esperar que num tempo de crise e convulsão social (comedida, mas existente) os designers assumissem posições políticas demarcadas e assertivas. O trabalho de um designer não acontece num vácuo, nem a sua formação académica. Paradoxalmente, a comunidade tem vindo a fechar os olhos à realidade, evidenciando uma espécie de medo na politização do seu trabalho. Crítico mas não político ou, se preferirmos, como Mário Moura comenta: “político mas não panfletário”. [6]

O novo cool do design prevê a especulação, a curadoria e o experimentalismo, até o social, mas não o político. É certo que podemos encontrar exemplos do contrário, mas não cedamos ao exercício fácil e perigoso de tomar a parte pelo todo e veremos logo que o tabu está a ser ampliado. O mesmo discurso é aplicável a muita da produção cultural e artística do nosso país, pelo menos aquela que constantemente é mediatizada, e que parece cada vez mais querer-se distanciar das inevitáveis teias políticas que condicionam a vida dos portugueses e o próprio funcionamento da cultura. É inconveniente falar de política, especialmente para uma das classes mais afectadas pela austeridade (pelo caminho, perdeu-se um ministério…). O que se exige não é sequer coragem, mas uma vez mais, consciência. Onde se posicionam as universidades neste ponto? Terão sido reduzidas a workshops de formação para o mercado de trabalho? Não se invalidam neste processo?

Enquanto o ensino se vai tornando cada vez mais num assunto mercantilista, as universidades vão perdendo a necessária relação com a realidade, com o tempo presente. Falar do ensino ou da universidade é uma tarefa complicada numa altura em que as vias de formação se multiplicam, bem como as experiências dos alunos nos seus percursos académicos. Ainda assim, o ensino do design em Portugal continua a ser um meio relativamente pequeno e para o qual podemos olhar com alguma facilidade. Parte do problema reside na perda do equilíbrio entre uma via profissionalizante e uma outra via de reflexão crítica, que questiona as disciplinas, a sociedade e a própria cultura. Quando se perde esta pluralidade, e quando as universidades se tornam em empresas, o seu papel na sociedade é sacrificado em prol de uma formação focada exclusivamente no mercado de trabalho.

Existem escolas que assumem posições aparentemente mais ambiciosas, com programas mais extensos, com referências extra-disciplinares e com uma maior vontade de envolvimento social e até político. Neste quadro encontramos as Belas-Artes, mas também elas não estão imunes a críticas. Num curso de design das Belas-Artes não é estranho falar-se de acontecimentos históricos e políticos como o Maio de 68, mas a perspectiva muitas vezes adoptada “do design” tem uma especial capacidade de tornar tudo mais soft. De repente, tudo é uma curiosidade estética, um ponto de viragem para o grafismo contemporâneo, um agitar disto e daquilo… tudo menos política. Isto não serve para dizer que o design é soft, mas que, quando é utilizado como um filtro através do qual se vê a história, nos pode fazer ignorar muita da substância que sustenta a matéria visível de um tempo passado.

O Maio de 68 é um excelente exemplo. É fácil evocá-lo, imaginá-lo, sem que no entanto o saibamos explicar devidamente. É tratado como um ícone e parte do problema talvez resida aí. Os ícones são elementos de leitura fácil, imediata e sintética. Como se pode reduzir uma revolução, um regime ou um discurso a uma leitura destas? Cabe-nos fazer uma introspeção e tentar perceber se a forma como estas referências são dadas (quando são dadas) não nos está a tornar insensíveis às questões mais relevantes e complexas por detrás das mesmas. É preciso perceber como o ensino pode confrontar o cultural com o político, não tratando este último como uma simples nota contextual, mas como uma matéria séria de discussão e pesquisa, muitas vezes mais relevante do que as questões culturais ou visuais que são postas em primeiro plano. Esta valorização da discussão política em relação ao passado é especialmente importante para que nos habituemos a fazer o mesmo em relação ao presente, onde os ícones ainda não foram criados, onde ainda nada (ou muito pouco) é uma referência. Sobre o tempo presente ainda não se colocou o filtro da história, da cultura ou do design, porque este tempo ainda está a ser construído por nós.

Um dos trabalhos realizados por um grupo de alunas finalistas deste ano, o projecto H+, debruçava-se precisamente sobre os enunciados e confrontava as expectativas do emissor (professor) com as reacções do receptor (aluno). [7] Mais do que em resultados factuais e concretos, o interesse desta análise residia no constante desdobramento de problemáticas associadas a um simples enunciado ou referência. O próprio projecto H+ nasceu como resposta a um programa curricular, em que a esmagadora maioria das referências bibliográficas e cinematográficas não estavam sequer relacionadas com design. Este é o tipo de participação que pode ajudar a reformular a maneira de ensinar e aprender, pelo simples facto de fomentar uma colaboração entre duas gerações diferentes que na universidade se cruzam.

Uma universidade só se poder manter actual e politicamente activa quando compreender a geração dos alunos que a frequentam, ao mesmo tempo que estes compreendem as suas intenções. As salas de aula não podem ser impermeáveis ao mundo exterior e os futuros designers não podem continuar a ser ensinados segundo as velhas normas de uma realidade perfeita, onde o trabalho abundava e os designers eram super-estrelas com os seus mega-projectos de identidades corporativas. Nada disto invalida que se continue a ensinar design, ao contrário do que muitas vezes é dito por aqueles que defendem uma universidade completamente neutra e indiferente às questões políticas, imaginando uma espécie de santuário de intenções imaculadas, onde os estudantes podem adquirir a capacidade de fechar os olhos às inconveniências do mundo. Também não invalida que se ensine para o mercado de trabalho, mas obriga a que quando isto aconteça, também se ensine para a precariedade, os recibos verdes, os atrasos nos pagamentos, os estágios não-remunerados e as filas do centro de emprego.

É preciso, no entanto, dar um passo atrás e perceber que, mesmo que seja difícil assumi-lo, este tipo de discurso também está armadilhado. Os apelos para um design mais consciente (em relação a muitos temas, mas todos com uma carga política), foram feitos praticamente desde que se começou a pensar no design. De uma forma ou outra, tem sido esse o papel da crítica, e basta abrir qualquer volume da colecção Looking Closer [8] para comprová-lo. Então porque é que continuamos a ter esta discussão, como se nada tivesse mudado desde os primeiros anos da publicidade? A história do design é relativamente jovem e talvez a maior parte da comunidade de designers se mantenha à margem destes discursos, mas ainda assim tem de haver outra explicação.

É interessante olhar para o texto “Ten Footnotes to a Manifesto” de Michael Bierut [9], que toma a forma de um conjunto de notas de rodapé ao manifesto First Things First 2000. Nesta espécie de recensão, Bierut aborda de forma bastante frontal o problema do design comercial versus o design das “causas” (sociais, políticas, culturais…), e se por vezes o tom pode até ser um pouco injusto para as intenções dos signatários do manifesto, a ideia formulada deve ser tida em conta. O problema do manifesto reside na rejeição total de uma certa elite de designers em relação ao trabalho comercial, que se identifica como aquele que realmente tem ressonância nas pessoas comuns e que molda o ambiente em que vivemos. Ao mesmo tempo, o discurso do manifesto diaboliza objectos comuns, trabalhos menores que servem apenas para ajudar as grandes empresas a mentir, enquanto apresenta como alternativa noções vagas de intervenção, trabalho cultural, etc.

Bierut argumenta que nem todo o trabalho comercial participa num plano maligno para enganar as pessoas e que os trabalhos banais e mundanos merecem tanta atenção como as grandes causas. Isto não deve ser entendido como um apelo a que os designers vendam a sua alma ao diabo e dispensem o seu sentido crítico, mas antes como uma provocação que sugere que um pacote de pastilhas elásticas e um manifesto político de 400 páginas devem ser encarados e projectados com a mesma seriedade. Bierut talvez não seja propriamente inocente nesta defesa do trabalho comercial (ele próprio o refere quando evoca o seu cargo na direcção da Pentagram, uma das maiores agências de design do mundo), mas esta recontextualização do manifesto ajuda a criar um entendimento mais claro do tipo de contributo que um designer pode dar ao mundo, concretizando ideias que de outra forma se apresentam demasiado abstractas e incompreensíveis. Sobretudo promove uma mudança de perspectiva essencial que não permite que textos, desde o manifesto First Things First até este que aqui apresentamos, sirvam como um lavar de mãos da responsabilidade, que rapidamente é atirada para cima do próximo. Responsabiliza os designers em todas as manifestações do seu trabalho, um cruzamento entre as ideias de design político e de política de design.

As consequências políticas do design têm então de ser entendidas numa grande variedade de manifestações, levando a uma aceção que define não apenas o design como política, mas tudo como política. Pensemos, por exemplo, na moda e na forma como, ao longo dos anos, esta foi moldando não apenas a forma de vestir, mas também as formas de participação e afirmação social. Será errado pensar que a alta-costura, originada no século XIX em Paris, acontece num vácuo e não tem ressonância fora das elites às quais se dirige. Mesmo que de forma inadvertida, a moda, e inclusive as suas altas esferas, tem-se desenvolvido como um discurso social e político intimamente relacionado com as noções mais fundamentais da democracia.

Em Tóquio, em meados da década de 1990, uma tribo urbana nasceu da vontade de romper com o cânone de vestuário da rapariga-estudante no seu icónico uniforme de “marinheira”. As chamadas Black Face Girls viam na Barbie uma inspiração que, mais do que uma ostentação estética, denunciava uma vontade assumida de ser ocidental, uma qualidade equiparável à possibilidade de ser livre num ambiente socialmente repressivo. Uma atitude tão simples como vestir o que queriam vestir e não aquilo que a sociedade conservadora aprovava ou os rapazes achavam atraente. [10] As Black Face Girls, na procura de emular uma imagem existente, criaram algo completamente novo, uma jovem livre, libertada pela sua imagem, e acabaram por se tornar numa influência estilística para a sua referência inicial, o mundo ocidental.

Semelhante ruptura aconteceu quando, nos anos 70 do século XX, Elio Fiorucci “inventou” as calças de ganga para senhora, retirando a esta peça de vestuário a sua aura puramente funcional e masculina e tornando-a num objecto simbólico da emancipação da mulher contemporânea. [11] A procura da afirmação da forma feminina, da sua sensualidade e sexualidade, tem sido um recurso na sua objectificação comercial e cultural, no entanto, voltando ao contexto social agitado dos anos 60 e 70, vemos que foi também um discurso político. Esta mesma ambiguidade é a prova de que tais discursos devem ser sempre abordados a partir de uma grande variedade de perspectivas, e estão dependentes de noções culturais frágeis, híbridas, constantemente alteradas pelas condições geográficas, políticas, culturais e económicas. Por fim, voltemos a Paris, desta vez em plena Revolução Francesa, no final do século XVIII, onde uma das maiores posições revolucionárias era assumida pelos sans-culottes, os cidadãos das classes baixas que orgulhosamente usavam calças até aos pés como forma de se distinguirem da nobreza, conhecida por utilizar as bermudas, com o corte pelo joelho. [12]

Também o design de comunicação pode ter este impacto cultural e social, embora muitas vezes seja fácil esquecermo-nos disso. Voltando ao texto de Michael Bierut, é preciso não menosprezar certos tipos de trabalhos porque não são suficientemente “interventivos” ou “nobres”. A maior parte de nós não poderá trabalhar nos termos privilegiados que os autores do manifesto First Things First 2000 encontraram durante as suas carreiras e isso não nos pode impedir de exigirmos participar igualmente na construção de uma sociedade melhor através do design. Simultaneamente, rejeitar um espaço de trabalho tão grande e com um apelo tão universal é um erro crasso, que condena o papel do design e a sua reflexão crítica ao consumo interno e limitado a um nicho não-representativo do resto da sociedade.

Assim como David Foster Wallace, no discurso A Água É Isto [13], chamou a atenção para os problemas mais mundanos da vida adulta, também os designers precisam de renovar a sua atenção ao banal. Isto não significa apenas ter o mesmo nível de dedicação em todos os projectos, mas também reflectir sempre sobre toda a envolvente dos mesmos. Significa combater o trabalho mal ou não-remunerado, refutar a ideia do design como valor acrescentado, estar consciente dos meios de produção e das suas implicações. Significa perceber quais são os problemas que o design pode ambicionar resolver mas também aqueles que não podem ser resolvidos apenas pelo design — esta ideia é essencial para que a comunidade não se coloque num pedestal, ao mesmo tempo que iliba os responsáveis políticos e ideológicos. Sim, o design é, de muitas formas, político, mas não é só através dele que se faz política — ela faz-se sobretudo através da cidadania. Antes de mais, o designer é um cidadão, com tudo o que isso implica. No projecto final da licenciatura, onde se trabalhou sobre a ideia de uma Juventude em Marcha, muita da apreensão inicial dos alunos ao tema surgiu porque rapidamente se associava a marcha ao protesto ou à revolução, formas de acção social que para muitos pareciam desactualizadas e moralistas face à sua geração. Mas como muitos vieram a descobrir, a marcha não é apenas isso. É acima de tudo o compromisso de uma geração com o seu tempo e com as condições do mesmo. Perceber isto e assumir este compromisso é já por si uma atitude política urgente.


NOTAS

[3] Coutinho, I. (2015). “A poesia não salva o mundo. Mas salva o minuto”. [Em Linha]. Disponível em http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-poesia-nao-salva-o-mundo-mas-salva-o-minuto-1700928 [consultado em 08-09-2015].
[4] Na mitologia grega, Sísifo, Rei da Éfira, foi condenado a carregar uma enorme pedra de mármore até ao cume de uma montanha; a cada vez que completava esta tarefa, a pedra rolava pela montanha abaixo, obrigando Sísifo a repetir este acto eternamente. Em 1942, o escritor francês Albert Camus, publicou o ensaio filosófico O Mito de Sísifo, recorrendo a esta história como metáfora para explicar o absurdo da existência humana.
[5] Torres, H. e Ferreira, V. (2013). Ao minuto: manifestações 2 de Março. [Em Linha]. Disponível em http://www.publico.pt/politica/noticia/ao-minuto-manifestacoes-2-de-marco-1586372 [consultado em 08-09-2015].
[6] Moura, M. (2014). O que faz da arte arte. [Em Linha]. Disponível em https://ressabiator.wordpress.com/2014/06/23/o-que-faz-da-arte-arte/ [consultado em 08-08-2015].
[7] Ver páginas 78 a 91 desta publicação.
[8] Looking Closer: Critical Writings on Graphic Design é uma das mais populares colecções de livros sobre teoria, crítica e história do design. Conta, até ao momento, com cinco volumes publicados.
[9] Bierut, M. (2007). “Ten Footnotes to a Manifesto”. In Seventy-nine Short Essays on Design. Nova Iorque. Princeton Architectural Press. cap.13, p.52.
[10] Boyle, M. (2000) Fashion in Japan. Londres. BBC Choice. Vídeo digital. (14 min.) [Em Linha]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=MdBCJa3_a_4 [consultado em 08-09-2015].
[11] Horwell, V. (2015). Elio Fiorucci obituary. [Em Linha]. Disponível em http://www.theguardian.com/fashion/2015/jul/24/elio-fiorucci [consultado em 08-09-2015].
[12] Sansculotte. (2014). [Em Linha]. Disponível em http://www.britannica.com/event/sansculotte [consultado em 08-09-2015].
[13] Wallace, D.F. (2013). “A Água É Isto”. In Uma Coisa Supostamente Divertida Que Nunca Mais Vou Fazer. Lisboa. Quetzal Editores. p.437.

3. Geração

Todos os anos, desde 2010, acontece em Barcelos o Milhões de Festa, um festival de música alternativa organizado pela editora portuguesa Lovers & Lollypops. [14] O festival ajudou a ampliar o mito à volta da cidade de Barcelos e da prolífica actividade musical que marcou um passado recente. Ninguém se engane com esta alusão a um mito, pois a verdade é que algo de extraordinário aconteceu naquela cidade. No entanto, muito do que suportou e fez mover Barcelos foram coisas mais pequenas do que um festival ou uma banda que de repente se vê a fazer uma tour europeia. Márcio Laranjeira, da Lovers & Lollypops, afirma no documentário A Scene Called Barcelos [15] que “naquela cidade, quando tens 14 ou 15 anos, ou jogas futebol, ou fumas charros ou fazes uma banda.” Um dos miúdos que nessa idade formou uma banda foi Nuno Rodrigues, membro dos Glockenwise. Num texto publicado a propósito da última edição do festival minhoto, o Nuno colocou uma questão algo inesperada, sobretudo quando o que normalmente se lê nestas situações é mais marketing do que reflexão séria sobre os acontecimentos. Comparando com o passado recente, aponta um menor número de bandas a aparecer, e deixa uma simples interrogação: “Não há bandas de miúdos de 16 anos a dar concertos. (…) Estarão todo os miúdos demasiado ocupados a ver concertos, em vez de os tocarem?” [16]

Esta é uma frase que qualquer velho do Restelo diria. Contudo, é o tipo de reflexão que permite, no meio da euforia colectiva, que exista espaço para pensar na melhor forma de fazer acontecer, de não deixar que uma cidade sucumba à ilusão de que um mito sobrevive sem o trabalho real que lhe deu origem. Não sei que tipo de ressonância o texto do Nuno terá tido posteriormente, mas no dia em que foi publicado, durante o festival, ouviam-se pessoas a discutir o assunto, sublinhando a sua importância. Talvez seja uma indicação de que perguntar onde andam as bandas de garagem dos miúdos é um passo dado para que elas voltem a aparecer. A resposta vai continuar a ser procurada. Entretanto, roubemos a provocação. Antes que seja tarde demais e deixemos de ser miúdos, é preciso perceber onde andam as nossas bandas — as reais e as metafóricas. É também importante procurar as perguntas que a nossa geração pode fazer para que ela própria não se torne numa espécie de mito.

A juventude, por ser tão difícil de definir, e até delinear no tempo, é um conceito entendido de infinitas maneiras. Muitas vezes recorre-se à cultura para explicar uma geração de jovens, por exemplo através da música ou da moda, pelo que se tende a traçar comparações entre a cultura actual e a do passado para entender melhor os jovens do presente. Este exercício tende a deslizar facilmente para o populismo paternalista, além de ser completamente falacioso. Não é raro ouvirmos dizer que a música de hoje não é tão boa como a de antigamente, e como a música é um meio privilegiado da expressão dos jovens, deduz-se que os jovens de hoje são de alguma forma inferiores aos de ontem. O problema é que já não se faz nem se pensa a música da mesma forma, nem a moda, a arte ou a política. Além disso, a cultura popular que nos chega do passado vem suficientemente filtrada para não termos de lidar com as coisas embaraçosas produzidas por gerações anteriores. A juventude em si submete-se a este mesmo processo de filtragem e selecção daquilo que interessa preservar. Não se escreve sobre os jovens desinteressados e apáticos, logo sobram apenas os ícones entusiasmantes e pro-activos que é suposto inspirarem os jovens desinteressados e apáticos que hoje se vêem por todo o lado. Estas são narrativas fáceis de construir e perpetuar.

Quando esta turma foi confrontada com as juventudes do passado como matéria de trabalho, era notável alguma resistência geral em relação às referências sugeridas. E se também é verdade que a maioria achou útil e relevante trabalhar sobre gerações passadas de jovens, é de apontar que tal não foi feito de forma acrítica. As reticências colocadas pareciam vir, sobretudo, de um certo moralismo patente no acto da comparação geracional, além de uma noção bastante clara de que os tempos e os meios mudaram, que nada se pode fazer como antes. Os trabalhos realizados, mas sobretudo os métodos e ideias a que os alunos desta turma recorreram para os realizar, parecem demonstrar algo muito claro — que não estão alheados da realidade. Querem participar e têm muito para dizer, mas nem sempre encontram os meios certos e adequados para o fazer, o que não é fácil quando as velhas fórmulas de acção perderam muita da sua eficácia.

Tal atitude não é, de maneira nenhuma, uma defesa a esta geração ou uma crítica às anteriores, mas antes um certo cepticismo em relação à forma como a História nos é contada. Se perguntarmos onde andam os miúdos a dar concertos, estamos a partir do princípio que é suposto haver miúdos a dar concertos. No processo de reflexão sobre o assunto podemos descobrir que afinal os jovens não formam bandas porque encontraram algo diferente, mas igualmente válido, para se expressarem. Ou talvez não tenham encontrado nada e essa indefinição seja a característica que determina o que são estes jovens. Estes, e mais nenhuns. A última hipótese é talvez a mais provável, num mundo onde os meios de participação se multiplicaram e onde as macro-narrativas sociais e culturais vão desaparecendo a passo largo.

Dito isto, será que podemos caracterizar genericamente a geração na qual se insere esta turma que agora termina a sua licenciatura? Não me parece que o conseguíssemos fazer sem errar redondamente. Na verdade, acho que não é sequer possível caracterizar fielmente esta turma de finalistas. Claro que há pontos comuns, algumas formas de trabalhar, alguns gostos e tendências mais universais, mas são muito maiores as diferenças. O que de mais significativo é partilhado por todos é o contexto em que esta geração vive, porém também não é através dele que podemos caracterizar a geração, pois toda a gente encontra preocupações diferentes e respostas particulares às dificuldades deste tempo. Talvez possamos dizer que a incerteza assombra todos — uns mais, outros menos — e será esta incerteza colectiva a dar o mote para que a história desta geração se desenrole daqui para a frente de maneiras diferentes e inesperadas, sem réplica naquilo que já conhecemos. Ou então não, e nada de extraordinário acontecerá. O que interessa é que não sabemos.

Todas as juventudes passadas chegam a nós heróicas e, por isso, encaminham-nos para um processo de introspeção e auto-crítica que não costuma ser positivo. Dizia a Maria Manuel, uma das colegas responsáveis pela elaboração da exposição deste ano, que não há nada menos jovem do que pensar sobre a juventude. Esta é de facto uma ideia poderosa, e que para mim se tornou enigmática — a certa altura, era mesmo o único problema que queria resolver. Como podemos ser jovens e ao mesmo tempo entender esta condição? Será assim tão importante sermos jovens? Será assim tão importante definir a nossa juventude? Arrisco-me a responder que sim, e arrisco-me a dizer que a Maria Manuel estava certa para de seguida estar errada. Há uma coisa menos jovem do que pensar sobre a juventude, que é orientarmo-nos por uma suposta ideia do que é ser jovem. Todas as juventudes passadas chegam a nós heróicas porque já tiveram tempo de se tornar adultas. Nenhuma delas nos pode dizer nada a não ser aquilo que foi; o que é e o que será não diz respeito ao passado.

É importante perceber que algo tão vago como uma ideia de juventude pode ser usada contra ela própria. É o que acontece quando se comparam gerações diferentes e é o que acontece actualmente quando a juventude se torna num precioso trunfo político. Não é por acaso que os números do desemprego jovem são tão desconfortáveis para o governo, que tenta dissimular essa realidade com a narrativa da exportação de talentos, com o empreendedorismo e com os intermináveis ciclos de formação superior, seguidos por estágios, adiando a inevitabilidade do desemprego. Os jovens são uma ferramenta útil porque deles depende o futuro, e nada acalma tanto um povo como um futuro de prosperidade. O amanhã é uma Terra Prometida que os políticos garantem, em que os portugueses vão acreditando e que, de alguma forma, é suposto serem os jovens a construir. Os mesmos jovens que se vêem obrigados a emigrar, que não encontram emprego, que saem cada vez mais tarde de casa dos pais. Os mesmos jovens que ao mesmo tempo lhes vêem ser apontado o dedo por serem irresponsáveis, acomodados, piegas, desinteressados, pouco empreendedores. E assim os jovens tornam-se adultos sem darem por isso: o objectivo único torna-se o emprego, uma espécie de maldição que constantemente paira sobre as nossas cabeças e que hipoteca o nosso tempo. O diagnóstico é simples: a nossa juventude foi raptada pela crise.

O título escolhido para o projecto de exposição e publicação final do curso — Agora, irrepetível. — apresenta-se como a reivindicação de um tempo único, o nosso. Esta é a nossa geração, este é o nosso manifesto. Ao mesmo tempo, a geração é difícil de descrever e o manifesto permanece incerto. Sabemos, no entanto, que é nosso. Afirmar um tempo como irrepetível pode parecer redundante, seja pelas leis da física, seja pelos constantes lembretes que nos são feitos em forma de rótulos — nós somos a geração Y, Z, Me Me Me [17], à rasca, os millenials, uma geração virtual, perdida, à deriva. Pode parecer redundante, mas não é, porque reclamar o nosso tempo é resgatar esta geração de todas as outras, por uma vez tomar a palavra e usá-la, mesmo que não sabendo bem o que temos a dizer. Fazer o manifesto é o manifesto.

Precisamos, no entanto, de exigir mais. Como tal, concentremo-nos no real desejo de todos os jovens. Um desejo que na verdade é transversal a todas as gerações, mas que foi sendo sacrificado e negado, sobretudo aos mais novos. Falo da felicidade. Em tempos de crise e dificuldades, de expressões e interesses demasiado grandes para os compreendermos totalmente, de adoração e submissão aos mercados, aos credores e à banca, a felicidade é um pecado. E encontramos este tabu como um eco no tempo quando ouvimos a voz desesperada de José Mário Branco em 1982 a dirigir-se ao FMI… Eu quero ser feliz, porra! [18]

Passados cerca de 30 anos, o mesmo FMI assombra as novas vidas. Neste tempo todo, e se calhar um pouco ao longo da nossa história, estas vozes que reclamaram a felicidade sempre pareceram um pouco deslocadas. Há algo de especialmente masoquista num povo que se esquece de ser feliz e sempre houve quem se inconformasse com isso. No entanto, nos dias que correm, esta obliteração da felicidade como um objectivo legítimo das pessoas parece cada vez mais generalizada. Neste contexto, ser feliz é um protesto, uma provocação epicurista àqueles que se indignam com um desempregado que compra um maço de tabaco ou um trabalhador precário que leva a sua família de férias. A felicidade é uma poderosa arma política contra a imbecilidade. Se isto é realmente um manifesto, uma chamada à acção, então precisa de uma reivindicação concreta, de uma palavra de ordem simples e compreensível. Pois bem, que o seja a felicidade. Esta deve ser a nossa marcha, e tudo o resto daí virá. Da próxima vez que nos perguntarem para onde vamos, o que queremos, a resposta tem de ser peremptória, dada sem hesitações: queremos ser felizes, porra!


NOTAS

[14] Duarte, F. (2011). Milhões de Festa. [Em Linha]. Disponível em http://www.publico.pt/design/jornal/milhoes-de-festa-22523309i [consultado em 08-09-2015].
[15] A Scene called Barcelos 1/3 Infection. (2015). Redbull.pt. Vídeo digital. (4 min.) [Em Linha]. Disponível em http://www.redbull.com/pt/pt/music/stories/1331736939242/a-scene-called-barcelos-1-3-infection [consultado em 08-09-2015].
[16] Rodrigues, N. (2015). “Correndo o risco de ser velho do Restelo”. Milhões de Notas. 2, p.11
[17] Stein J. (2013). Millennials: The Me Me Me Generation. [Em Linha]. Disponível em http://time.com/247/millennials-the-me-me-me-generation/ [consultado em 08-09-2015].
[18] Branco, J.M. (1982) FMI. Vídeo digital (25 min.) [Em Linha]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=_Adp77ivpT8 [consultado em 08-09-2015].


Guilherme Sousa, 2015
Este ensaio foi originalmente publicado em 2015 no livro dos finalistas de Design de Comunicação da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. O livro fazia parte de uma série de iniciativas, como uma exposição, debates e um documentário, agregadas sob o título Agora, irrepetível. 
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Agora, irrepetível.http://agorairrepetivel.belasartes.ulisboa.pt/
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