
Numa altura em que a discussão do design se centra cada vez mais na responsabilidade social, comunitária e moral do designer, surgem novas e importantes questões. Na verdade esta discussão não é nova, como não é a responsabilidade, apenas lhes foi atribuído um novo protagonismo. E sendo notável que sem ser novidade, foi alargada, é preciso compreender como é que a discussão pode ser posta em prática. Utopicamente, ou talvez não, como podem os designers mudar o mundo?
Quero usar esta questão como ponto de partida para falar do The Accessible Icon Project. Não quero assumi-lo como uma fórmula, mas antes como uma hipótese ou case study. Para tal, entrei em contacto com Leah Serao, estudante no Gordon College, no Massachussets, e colaboradora da Triangle, uma associação sem fins lucrativos dedicada às pessoas com deficiências. Leah é uma das responsáveis pelo projecto, levando a cabo várias apresentações públicas, eventos tangenciais e trabalhando directamente com estudantes. Foi através dela que consegui ter uma perspectiva aprofundada do The Accessible Icon Project.
Tudo começa em 2009, quando Sara Hendren, oradora, artista, investigadora e mãe de uma criança com Síndrome de Down, entra em contacto com o Dr. Brian Glenney, professor de Filosofia no Gordon College. Ambos partilham de um interesse pelas questões da acessibilidade, da tecnologia e num âmbito geral, da optimização dos ambientes urbanos, no entendimento prático e sociológico dos mesmos. Nesta altura discutem o Símbolo Internacional de Acesso, o pictograma universalmente conhecido da cadeira de rodas. O símbolo foi encomendado pela Rehab International, uma rede internacional fundada em 1922, dedicada a melhorar a qualidade vida das pessoas com deficiências. O símbolo foi desenhado em 1968 por Susanne Koefoed, sendo posteriormente modificado por Karl Montan, da Rehab International, que lhe acrescentou uma cabeça, como elemento humanizante. Hendren e Glenney discutem este símbolo e concordam que ele acarreta uma série de limitações, nomeadamente por representar as pessoas com deficiências como passivas e incapazes. O seu aspecto robótico, em que homem e cadeira são um só, pode influenciar a atitude face as estas pessoas. Esta noção do poder das imagens, sobretudo aquelas com as quais nos cruzamos diariamente, é a motivação principal que dá início ao que hoje é o The Accessible Icon Project.
Inicialmente, os dois fundadores criaram um novo design, baseado no movimento do sujeito. Transformado num autocolante laranja-translúcido, colaram-no sobre o símbolo antigo em centenas de sinais na zona de Boston. A possibilidade de leitura simultânea de ambos os símbolos, velho e novo, originava uma discussão acerca da necessidade de uma mudança. Nesta altura era importante identificar o problema, mais do que apresentar uma sugestão. Mas depois de um artigo de Billy Barker, publicado em 2011 no Boston Globe, Hendren e Glenney aperceberam-se que o público, altamente receptivo, não queria apenas um diálogo, mas uma substituição efectiva do símbolo antigo. Desde este ponto, o projecto veio a evoluir de uma acção de arte urbana para um esforço institucional internacional, apoiado pela Triangle.

Foi formada uma equipa com membros de diferentes áreas, perfilando um projecto de design colaborativo onde as pessoas com deficiências estão envolvidas na tomada de decisões e na direcção do projecto. Aliás, este é um projecto de design cuja maior virtude é, talvez, distanciar-se da exclusividade dos designers. Leah destaca a entrega de cada um dos membros: “Acredito que as pessoas devem pôr em prática as suas palavras. Se um designer cria algo na esperança de originar uma mudança pública, ele próprio deve ser um exemplo e viver essas mudanças no seu dia-a-dia. Todos os membros da equipa do Accessible Icon estão dedicadas a alterar a forma como as pessoas com deficiências são entendidas pela sociedade.” Entre as várias personalidades que se foram juntando ao projecto (incluindo a própria Leah), está Tim Fergunson-Sauder, que ajudou nas questões específicas do design gráfico, e que permitiriam tornar o símbolo numa proposta concordante com os standards quer do ISO DOT 50, quer do ADA (American with Disabilities Act). Assim, o desenho final evidencia um ênfase no movimento e na proactividade das pessoas com deficiências. Mostra-as capazes, dinâmicas e independentes. A pessoa inclinada para a frente é metafórica do próprio avanço da mentalidade face aos problemas da acessibilidade. Ao mesmo tempo, é um símbolo que permite uma espécie de invasão das ruas, através de autocolantes ou stencils disponibilizados no site, o que os fundadores consideram essencial para a divulgação deste projecto e das suas intenções.
A dimensão viral e aura de work in progress do projecto atribuem-lhe um carácter ainda mais democrático e participativo, que nos sugere que os resultados são frutos de uma ampla discussão entre um leque abrangente de intervenientes. As pessoas sentem-se relevantes para o projecto, um trabalho de equipa de dimensão global, e querem ajudar. Mas num universo online saturado de boas intenções, petições, campanhas de crowdfunding e a evasiva noção de empreendedorismo, projectos como este podem sofrer de um mal recorrente: a efemeridade do seu sucesso viral. Este é um caso excepcional de estratégias de design inclusivo (falarei sobre isso mais adiante) com um enorme potencial para, no futuro, solucionar o problema identificado. No entanto, um falhanço pode torná-lo em apenas mais um símbolo, como muitos outros se criaram. Não é difícil encontrar diferentes interpretações do símbolo de acessibilidade, mas este projecto não se propõe, nem deve fazê-lo, a criar apenas mais um caso pontual de bom design, mas antes gerar uma solução viável, estruturada e, acima de tudo, funcional e ezequível. Tudo isto acontece num limbo, que é o do marketing e do passa-palavra online, um meio que conhecemos como altamente instável e incerto, vulnerável a modas e tendências (lembremo-nos do “KONY 2012”). Por isso mesmo, ainda será necessário esperar para ver como se desenvolve todo o processo, perceber se, e de que forma, não cairá no esquecimento via a tentação do feedback instantâneo que as redes sociais devolvem. Para já, há todos os motivos para acreditar que os criadores e responsáveis estão cientes das implicações referidas e que vão dando um bom rumo ao projecto.
Não é, no entanto, e como seria de esperar, uma iniciativa imune a críticas diversas como, por exemplo, por parte da Rehab International. Mas é na internet que o tom muda e, entre o caos opinativo habitual, surgem questões importantes. Muita gente questiona-se sobre a despesa causada pela substituição dos símbolos, enquanto outros perguntam se não seria mais eficaz melhorar os acessos e não a imagem que os representa. Leah responde que o assunto dos custos é uma falsa questão, visto que a maior parte das instituições e cidades opta por uma mudança lenta, substituindo sinais que precisavam de manutenção. Por outro lado, argumenta que o objectivo do projecto não é apenas substituir uma imagem, mas também criar uma discussão que leve a uma mudança da opinião pública generalizada face às pessoas com deficiências. Apesar das críticas, o novo símbolo consegue, pouco a pouco, instalar-se em vários pontos do globo — Inglaterra, Índia e França são exemplos, além das já muitas entidades norte-americanas que adoptaram o novo design.
Não se pode dizer que este é um projecto pioneiro no que toca ao assunto da acessibilidade, e a própria Leah reconhece que já haviam sido feitos outros esforços para mudar o símbolo. Caroline Cardus, uma artista britânica que recorreu a sinais de trânsito para construir a sua exposição “The Way Ahead”, é um dos exemplos. É também crítica deste novo design, por não alterar o facto de o símbolo só comunicar, aparentemente, com os utilizadores de cadeiras de rodas, quando na verdade se deve dirigir a todo o espectro de deficiências. O sistema que Caroline propõe utiliza letras e pontos, em vez de representações figurativas.
O design de pictogramas e sinais informativos tem uma longa história, rica em personalidades marcantes. Podemos associá-lo a nomes específicos como Margaret Calvert (sinais de trânsito do Reino Unido), Gert Dumbar e Ko Sliggers (sinalização de hospital, 1978), Masaru Katzumie (símbolos dos Jogos Olímpicos de 1964) ou Otl Aicher (Jogos Olímpicos de 1972). Mas não é com estes nomes que devemos comparar o The Accessible Icon Project. Não, porque este não é um projecto que procure ser graficamente inovador, criar uma forma icónica ou suplantar semelhantes históricos como os referidos. A sua especificidade exige que olhemos para além da imagem, percebendo o que a motiva e como ela é criada. Não é design puramente pelo design, mas antes design a servir de ferramenta para uma causa. A importância do The Accessible Icon Project está nos seus processos e estratégias, na forma como gere recursos e reúne pessoas interessadas em participar numa causa comunitária. É assim que os designers podem mudar o mundo? Não posso garantir. Mas ninguém pode negar a importância que o designer pode assumir em casos como este, e é aí que reside a dimensão social que falava no início deste texto. Uma dimensão social que só é explorada quando o design sai do estúdio e encontra as pessoas, procura os problemas e procura resolvê-los. E ao valorizar este processo, ao entender a validade destas estratégia de trabalho baseadas na comunicação e no diálogo, apercebemo-nos que talvez os designers não se devem preocupar em mudar o mundo — devem preocupar-se em mudar a maneira de mudar o mundo.